14 de julho de 2017

O INTERROGATÓRIO É MEIO DE DEFESA OU MEIO DE PROVA?


Sabemos que o interrogatório é o ato praticado pelo réu em uma audiência, no qual é questionado sobre os fatos que lhe são imputados. Diante disso, surge o questionamento: o interrogatório é meio de defesa ou meio de prova?

A primeira questão a ser analisada é referente ao fato de que o réu não é obrigado a constituir prova contra si mesmo, sendo que (ao menos na teoria) cabe a acusação provar a prática do crime por parte do réu.
Paulo Rangel, ao tratar desse tema, afirma que
O ônus da prova, no processo penal moderno, pertence todo ao Ministério Público, não sendo admissível que o indiciado tenha que suportar o encargo de municiar o órgão de acusação para que este ofereça denúncia contra aquele. (Direito Processual Penal, p. 785, ed. Lúmen Júris 2002)
Inclusive, o acusado nem sequer presta compromisso de dizer a verdade, ao contrário do que ocorre com as testemunhas (artigo 203 do CPP).
Outrossim, é direito do réu permanecer calado durante o seu interrogatório e esse silêncio não pode ser interpretado como sendo confissão ou em prejuízo à defesa (artigo 186 do CPP).
Em julgamento de recurso no TJSP:
o silêncio do réu é garantia constitucional e de forma alguma poderá ser prejudicado por isso! Ao Ministério Público cumpre comprovar a autoria e a materialidade do crime. O réu pode permanecer absolutamente inerte, comparecer ou não aos interrogatórios, responder ou não, sem que essa conduta lhe prejudique a defesa. (TJSP, Ap. 286.117-3, São Paulo, 7.ª C. De Férias de Janeiro de 2000, 12.01.2000, v. U.)
Há, também, na Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8º, 2, g, a garantia judicial dada a pessoa “de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
É por tudo isso que para muitos o interrogatório é um meio de defesa e não um meio de prova.
Para NUCCI, por exemplo, em seu CPP Comentado:
o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo.
Esse também é o entendimento adotado por Damásio (CPP anotado):
A nova disciplina do interrogatório lhe confere preponderantemente caráter de meio de defesa. No entanto, o fato de o seu conteúdo poder ser utilizado como elemento na formação da convicção do julgador lhe outorga, secundariamente, a característica de meio de prova.
Entende-se, portanto, que o interrogatório do réu, apesar de ser primordialmente um meio de defesa, também pode ser um meio de provas, desde que o acusado venha, por exemplo, a confessar os fatos, esclarecendo a dinâmica do crime, o que pode ser utilizado pelo julgador para a sentença.
Na minha opinião, o fato de o acusado poder mentir durante o ato é a maior comprovação de que o interrogatório é predominantemente um meio de defesa.
Como cediço, não há obrigatoriedade alguma de o réu confessar a prática delitiva, podendo negar a autoria, por mais que represente uma mentira, sem que isso caracterize algum crime.
O próprio STF, por meio do Ministro Celso de Mello, já se manifestou sobre essa questão, afirmando que
Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal.(RHC 71421-/RS – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Celso de Mello.)
Importante destacar que, apesar de não ser obrigado a falar a verdade e de poder ficar em silêncio, o réu não pode mentir, imputando a terceiros práticas criminosas, por exemplo, sob pena de responder por crime.
Se o réu negar a prática do crime e afirmar mentirosamente que foi Tício o autor, o acusado não apenas terá mentido ao negar a prática delitiva, como também cometido crime ao mentir e afirmar que foi Tício o autor.
Não se trata, então, de falar mentira quanto aos fatos que lhe são atribuídos, como a negativa de autoria, que pode até ser uma estratégia de defesa, mas imputar falsamente a terceiros a prática do crime, extrapolando o seu direito e incorrendo em um novo crime.
Para deixar clara essa possibilidade do interrogatório ser meio de defesa e/ou de prova, imaginemos o caso dos autos de um processo que apura a prática de roubo por dois réus, sendo que um deles fica calado durante o seu interrogatório, utilizando-o como um meio de defesa, enquanto o outro réu resolve confessar a prática delitiva, esclarecendo os fatos e descrevendo a atuação de cada um dos dois.
Nesse caso, vemos a utilização do interrogatório do primeiro réu como um meio de defesa e o interrogatório do segundo como meio de prova da prática delitiva pelo réu que resolveu se calar.
Por fim, foi visto, então, que o interrogatório “é meio de defesa, primordialmente; em segundo plano, é meio de prova” (NUCCI, CPPcomentado).
Assim, encerramos mais um texto semanal, esperando ter ajudado na compreensão de mais esse tema. Um grande abraço e até a próxima semana!
Fonte: Canal Ciências Criminais  /  https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

TRECK TRANSPORTANDO DESAFIOS (75)3224-2859

TRECK TRANSPORTANDO DESAFIOS (75)3224-2859